Lino Ventura
Ou estava chegando em casa junto com o sol a raiar, ou já estava de pé antes do sol acordar. Se era noite boêmia, histórias não faltavam a contar, e se era noite caseira muito menos. Lino Ventura era um rapaz que, não diferente das pessoas que desfrutam da juventude no seu mais intenso alvorecer, amava a liberdade. Queria cada vez mais ela, mesmo que fosse muito difícil de livrar-se do prazer e da prisão que eram os seus vícios: Roer unhas, usar cotonetes 4 a 5 vezes por dia e fumar. Hábitos que para ele eram indispensáveis mesmo que numa séria avaliação de prioridades.
Sonhos eram vários, mas a vontade de encontrar a garotinha pós-moderna, daquelas bem moderninhas que nossas avós não se refeririam com lá muita boa vontade, preenchia boa parte do monólogo que Lino vivia diariamente em sua cabeça e o fazia ser uma pessoa tão peculiar.
Era impressionante, estava o tempo todo observando as pessoas, tomando anotações, roendo unhas, se apaixonando, se desencantando, criando expectativas, vivendo personagens, fumando, conversando, gritando, usando cotonetes, correndo, roendo unhas, fumando, mas fazia isso tudo enquanto um universo paralelo em sua cabeça corria na mesma velocidade, e ele não deixava parar, chamava esse universo de: o inquieto monólogo.
Certa vez estava em uma dessas lanchonetes de fast-food capitalistas até o talo com outros dois amigos que como ele não eram muito chegados a regras e amavam o caos. Daí começaram um joguinho no qual girava-se o saquê de mostarda uma volta e o passava adiante, o outro fazia a mesma coisa até que uma hora aquele saquinho explodiria junto com muitas risadas dos garotos e sujaria uma parte considerável do lugar. Sem perder a empolgação, Lino acendeu um cigarro ao lado de uma placa de “proibido fumar”. Muito mais para dar curso à brincadeira do que por qualquer outro motivo, mas na sua cabeça, que estava em outro lugar, corria o pensamento na poesia que acompanhava aquele retrato do “foda-se”, a poesia dos 3 sorrisos amigos juntos que ele conseguia perceber. Isso o fazia feliz.
Se Lino tinha algo mais de especial eram seus amigos, quanta gente peculiar feito ele, um deles tinha o apelido de Leão e era pra quem ele ligava quando queria saber se ia chover, ou o porquê de seus peidos federem mais durante o banho, ou até mesmo como derreter um pote de manteiga congelado da maneira mais rápida possível. E o legal dessas pessoas era justamente não se importar com o tempo passando enquanto se faziam essas perguntas ou com o tempo gasto para resolvê-las, gostavam do simples, do passageiro, do presente que não se repete e do prazer que era encontrar, por exemplo, uma figurinha brilhante de álbum de futebol de 10 anos atrás escondida debaixo do tapete da casa da avó. Gostavam também de atravessar a rua e quase ser atropelado se isso tivesse acontecido sem querer, por mera distração. Também curtiam beber um copo de água gelada assim que acabavam de escovar dentes ou planejar roubos a magnatas e arquitetar o dia que invadiriam o colégio durante a noite para nadar. O muro era bem baixo.
Lino conhecia gente demais, muitas pessoas mesmo, e se relacionava bem com todas. Também, não era por menos, aquele ar de personagem de filme que andava sempre com suas camisetas de bandas de rock, calça jeans e all-star no pé, boina verde na cabeça e sempre algum bom livro em mãos, seduzia as pessoas. Todos o achavam interessante, mas ele sempre queria a atenção da sua paixão idealizada. Aquela meninha que curtisse uma boa música, bons livros e filmes, sonhasse muito, tivesse algum talento artístico de preferência e também era importante que essa personalidade pudesse ser vista de alguma forma no visual, para que quando ele sentisse que viu a menina, não perdesse tempo algum e enviasse logo flores e borboletas para a felizarda.
Sim, sua vida era bela por mais que ele achasse que passava rápido demais, mas ele escondia a parte triste em suas noites que eram quase sempre em claro, afinal, “sem o amargo o doce não seria tão doce”. E a parte triste se configurava numa frase que ele escreveu uma vez, “eu odeio as pessoas e os pássaros voam”. Se relacionava bem pois conhecia o script e sabia o que todos queriam ouvir, mas seus verdadeiros amigos para os quais ele era um livro aberto eram seus companheiros de banda e as pessoas que compartilhavam alguns desses sentimentos de angústia com ele.
Era um cara assim, humano, demasiado, humano. Lino Ventura.
quinta-feira, 13 de dezembro de 2007
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